Cúpula da Amazônia: a metade cheia do copo
As análises pós-Cúpula da Amazônia foram marcadas pelo tom crítico diante da falta de metas concretas na redação do documento final do encontro, a Declaração de Belém (íntegra – 179KB). A ausência de compromissos para zerar o desmatamento nas áreas florestais e o debate sobre a exploração de petróleo na região deixaram evidentes algumas das divergências existentes entre os 8 países da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia).
É natural que temas tão importantes ganhem atenção e exposição, tanto por parte da imprensa quanto de quem acompanha de perto os debates das agendas climática e ambiental. Afinal, a informação e a pressão também são parte da busca por caminhos para um modelo de desenvolvimento que mantenha os recursos naturais em equilíbrio.publicidade
Porém, é importante ressaltar a representatividade de um encontro que reuniu chefes de Estado com uma característica em comum bastante diferente das habituais em encontros multilaterais: são líderes de países que abrigam grandes porções de florestas tropicais em seu território.
As assimetrias políticas entre essas nações não podem estancar o início de um movimento que tem como premissa a valorização do ativo florestal. A formação deste bloco geopolítico verde pode dar voz aos interesses amazônicos e ter influência global.
Os pontos de união entre os países foram sintetizados no documento divulgado no último dia da Cúpula, intitulado “Unidos por Nossas Florestas” (íntegra – 49KB). O texto extrapola os países florestais amazônicos e conta com a assinatura de Indonésia, República Democrática do Congo, São Vicente e Granadina, nações que, embora não sejam da região, também guardam florestas tropicais.
Em 10 tópicos, os países sintetizaram os interesses que os unem, como a proteção da biodiversidade, a redução de desigualdades, a necessidade de financiamento e o desejo de criar um modelo de desenvolvimento sustentável para a região. Essa união em torno de objetivos em comum, ainda que sem metas claras, deve ser encarada como um legado da Cúpula da Amazônia e apoiada para que tenha a força e a influência necessárias para impulsionar essa agenda.
O documento prevê a criação de um centro de cooperação policial pan-amazônico com sede na cidade de Manaus. A necessidade de ações coordenadas entre as polícias de países que partilham fronteiras florestais é uma demanda histórica.
Há também a previsão de um sistema integrado de tráfego aéreo para monitorar os voos em regiões em que o garimpo ilegal e o narcotráfico utilizam largamente esse tipo de transporte. Essa Amazônia armada impõe medo e violência às populações locais, aos povos originários e comunidades tradicionais. Também dificulta e enfraquece a presença do Estado e suas políticas públicas.
A declaração também reconhece que a perda florestal de 20% a 25% causaria um ressecamento definitivo da região amazônica, o chamado ponto de não-retorno, e cria um corpo para produção científica que se reunirá anualmente. Trata-se do reconhecimento político do que já é consenso entre cientistas e estudiosos da região.
Além da presença dos chefes de Estado, a Cúpula contou com a participação ativa de iniciativas que congregam a sociedade civil, entidades do agronegócio, empresas, setor financeiro e academia. Tal é o caso da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura.
Em carta enviada aos chefes de Estado e autoridades dos Estados-integrantes da OTCA, a coalizão reconheceu a importância do encontro dos países amazônicos, destacando pontos que não poderiam ficar de fora das decisões, planos, metas e compromissos que o grupo vier a assumir, como o fortalecimento das políticas de comando e controle, e o fomento a agendas que vão da rastreabilidade de cadeias produtivas à regulação do mercado de carbono, pagamento por serviços ambientais e bioeconomia.
As decisões da Cúpula se desdobrarão em outros importantes fóruns internacionais, como a Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro, e poderão integrar a agenda da reunião do G20 no Brasil, em 2024. Certamente integrarão os debates da COP 30, em 2025. É, portanto, fundamental levar o tema da bioeconomia e de uma agenda de desenvolvimento na região para esses outros fóruns.
Serão as oportunidades para que os países florestais demonstrem sua capacidade de superar assimetrias em nome de interesses em comum. A Amazônia poderá mostrar ao mundo como implementar atividades que garantam, simultaneamente, a proteção, o manejo e a restauração do bioma, assim como o bem-estar de sua população. Até lá, é preciso olhar com atenção para esse bloco geopolítico verde, com o cuidado para que não seja abatido enquanto ainda se prepara para decolar. Uma aliança ambiciosa entre os países amazônicos tem um enorme papel a desempenhar para o futuro do planeta.