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Marcha organizada por lideranças indígenas em Belém durante a COP. Foto: Wilton Junior/Estadão

A COP que saiu do discurso e encarou o mundo real

Belém enfrentou desafios, mas demonstrou maturidade para sediar a conferência mais decisiva da década
Renata Piazzon,
28.11.2025

COP-30 devolveu ao processo climático algo que parecia ter se perdido após três edições em países com tendência autoritária: a força da sociedade civil. Belém transformou-se em cidade-pavilhão. A Marcha dos Povos e a chegada de milhares de indígenas lembraram que não existe liderança climática sem a participação de quem vive e protege os territórios – e a cena da negociação entre o presidente da COP, André Corrêa do Lago, e o povo Munduruku simbolizou esse reencontro entre a política e a realidade das ruas.

Para além do seu simbolismo, a conferência em Belém ficará para a história por inaugurar uma fase de implementação. A Decisão Mutirão sintetizou avanços, evitou retrocessos e gerou frustrações ao excluir do texto o mapa do caminho para o mundo abandonar os combustíveis fósseis.

Mas, paradoxalmente, abriu espaço para que o Brasil lidere, em 2026, dois roadmaps fora do âmbito das negociações – um para a transição energética e outro para o deter e reverter o desmatamento – apoiados por quase uma centena de países. O maior impulso político da COP veio justamente do que ficou fora do texto: o movimento global pelo fim dos fósseis, que saiu da conferência com um encontro marcado para abril, na Colômbia.

Em financiamento, Belém entregou sinais importantes, como a meta de triplicar o apoio dos países ricos à adaptação climática dos países mais vulneráveis até 2035, mas deixou lacunas: ainda falta clareza sobre recursos, responsabilidades e mecanismos. A criação do mecanismo para a transição justa e a Agenda de Ação Climática 2026-2030 ajudam a preencher parte desse vazio, oferecendo uma arquitetura para transformar compromissos em implementação.

A ciência ganhou centralidade inédita. O primeiro Pavilhão de Ciências Planetárias aproximou pesquisadores e negociadores, traçando evidências para decisões diplomáticas e preparando a criação de um painel científico para orientar a transição energética e o futuro fórum global na Colômbia. Essa conexão entre ciência e política foi um dos sinais mais promissores desta COP.

Se a diplomacia caminhou aquém do necessário, a agenda de soluções avançou: a bioeconomia entrou formalmente na UNFCCC (tratado da ONU para mudanças climáticas) e o Parque de Bioeconomia de Belém tornou-se vitrine de inovação. Os anúncios de novos aportes – de bancos multilaterais ao TFFF – nos lembraram que implementar exige capital, não apenas ambição.

Belém enfrentou desafios, mas demonstrou maturidade para sediar a conferência mais decisiva da década. Não resolveu tudo – nenhuma COP resolve -, mas abriu caminhos concretos para 2026. Entregou o possível em um mundo mais polarizado, preservou o Acordo de Paris e expôs a urgência de reformar o regime climático.

O balanço é de otimismo responsável: avançamos menos do que gostaríamos, mais do que parecia viável, e o ano de liderança brasileira será decisivo para mostrar que ainda é possível mover os ponteiros e construir, a partir do Sul Global, uma transição justa que respeite a floresta e as pessoas.

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