Pragmatismo tropical: lições da Ásia para a liderança climática do Brasil
Durante décadas, o Brasil olhou para o Atlântico. Foi dali, da Europa e dos Estados Unidos, que importamos nossos modelos de progresso e até nossas crises. Olhamos o Norte como quem busca aprovação. Mas é no Sul Global que será decidido o futuro climático. A região da Ásia-Pacífico, que concentra 60% da população mundial e mais da metade das emissões globais, é hoje o centro de inovação em tecnologia e soluções climáticas.
Assim como no Brasil, a Ásia enfrenta o desafio de ampliar o pipeline de soluções em escala, mas há sinais concretos de transformação e vitórias locais que redesenham o mapa da transição global. A eletrificação (o processo de substituir processos e tecnologias dependentes de combustíveis fósseis por alternativas alimentadas por eletricidade) já responde por quase 30% da matriz energética chinesa, enquanto países como Vietnã, Indonésia e Bangladesh aumentaram em 10% sua taxa de eletrificação em apenas uma década. A China e a Índia se aproximam do pico do carvão, que diante do avanço das fontes renováveis vem perdendo espaço nessas regiões e marcando uma inflexão histórica, enquanto o Nepal demonstra como economias pequenas podem saltar diretamente para o transporte elétrico.
O Paquistão vive uma revolução solar descentralizada, com mais de 40 GW de painéis instalados em cinco anos, equivalentes à capacidade total de sua rede elétrica. Já a Indonésia, com sua meta de 100 GW de energia solar e eliminação dos combustíveis fósseis até 2040, enfrenta o desafio de alinhar finanças e regulação para acelerar essa transformação.
O Sudeste Asiático não apenas testa novos modelos de energia limpa, mas também lidera inovações no setor agroalimentar, cujas emissões vêm principalmente da produção de arroz, gado, fertilizantes e desmatamento. Startups e cooperativas desenvolvem alternativas vegetais aos frutos do mar, especialmente na China e em Singapura, projetos de mitigação de metano em rebanhos ganham força na Índia e na Indonésia, investimentos em manguezais despontam como solução natural de carbono e proteção costeira e programas integrados buscam conter o desmatamento nas fronteiras agrícolas sem frear o crescimento econômico.
Nas áreas urbanas, Singapura mostra que o futuro pode nascer do encontro entre biodiversidade, tecnologia e imaginação coletiva. O conceito de “cidade em um jardim” se traduz em infraestrutura: natureza e urbanismo integrados por desenho e regulação. O Jardim Botânico da cidade, patrimônio mundial da Unesco, é um laboratório vivo de biodiversidade, onde arte e ciência se entrelaçam para imaginar futuros possíveis, mais sustentáveis, inclusivos e em harmonia com a natureza.
Enquanto o Brasil ainda tropeça no falso dilema entre floresta e desenvolvimento, parte da Ásia mostra que sustentabilidade e economia podem andar juntas, transformando o cuidado ambiental em identidade nacional e o planejamento ecológico em motor de inovação.
O paralelo com a Amazônia é direto. Cidades amazônicas poderiam seguir a mesma lógica de integração entre floresta, cidadania e produtividade. É isso que se pode chamar de pragmatismo tropical: transformar ativos naturais em estratégia nacional, com metas, cronogramas e governança que conectem o global ao local.
Generosidade como cultura
Esse pragmatismo, porém, não se constrói apenas com políticas públicas e investimentos estatais. Ele também depende de uma infraestrutura social e cultural capaz de sustentar a transição. É aqui que a Ásia revela outro tipo de inovação: a que nasce da generosidade organizada, da filantropia que aprende a pensar em escala e cooperação.
Em um encontro em Singapura na semana passada, aprendi que a generosidade é cultural na Ásia, embora a filantropia institucional seja recente. A maioria das fundações foi criada nos últimos 20 anos, num ambiente ainda com poucos incentivos fiscais, aversão a custos administrativos e baixa profissionalização. Mesmo fundações corporativas são, na prática, familiares, com governança restrita. Ainda assim, emerge uma nova geração de filantropos que busca impacto estratégico e trabalha em rede. Instituições como a Temasek Trust e a Philanthropy Asia Alliance articulam missões compartilhadas – da restauração de manguezais à descarbonização industrial – com métricas, confiança e cooperação. É a cultura do planejamento aplicada à filantropia e ao investimento social, algo que o Brasil pode aprender e adaptar.
A Ásia inspira a olhar para o Brasil – e para a Amazônia– com os mesmos olhos: como territórios vivos de inovação. É hora de imaginar uma diplomacia das florestas e reconhecer que a energia da transformação pode vir dos trópicos, conectando o Sul global em torno de soluções de bioeconomia, transição energética e cooperação regional. O Brasil tem diante de si a chance rara de construir um novo eixo de credibilidade entre diplomacia, finanças e natureza. O futuro não está no Atlântico ou no Pacífico, mas no que conseguirmos tecer entre eles.


