Nesta semana, saí do CNPEM, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, com uma convicção: o Brasil pode – e deve – estar entre os protagonistas da bioeconomia do século XXI. Em parceria com a Centroflora, o CNPEM criou uma biblioteca piloto de frações vegetais, com 6 mil amostras derivadas de cerca de 600 espécies da biodiversidade brasileira. É uma plataforma científica de altíssimo nível, onde a floresta encontra a indústria e a molécula se transforma em inovação.
A ideia é simples e revolucionária: acessar, com rastreabilidade, a diversidade de plantas brasileiras, extrair suas frações bioativas e testá-las em modelos para doenças como câncer, Alzheimer, diabetes, doenças infecciosas e inflamatórias. Isso sem contar a possibilidade de novos usos desse patrimônio em diferentes indústrias, como a de alimento e a de cosmético, para citar algumas. Tudo isso usando tecnologias de ponta como o Sirius – o “Maracanã da ciência” –, um acelerador de partículas que permite enxergar átomos e revelar a estrutura das moléculas. Os resultados impressionam: 40% das moléculas encontradas até agora são completamente novas para a ciência.
Mas aqui está o dado mais importante: essa biblioteca representa menos de 1% da nossa biodiversidade. O Brasil possui mais de 40 mil espécies catalogadas de plantas, algas e fungos, sendo mais da metade endêmicas. Ampliar essa biblioteca é uma corrida contra o tempo: por um lado, a destruição dos biomas ameaça esse tesouro; por outro, a ampliação da coleção pode destravar novas descobertas científicas, atrair empresas e multiplicar os benefícios econômicos e sociais.
É como se o Brasil estivesse sentado sobre uma biblioteca de Alexandria da vida, mas ainda com as estantes fechadas. A diferença é que, neste caso, cada “livro” não lido pode conter a chave para curar doenças, gerar empregos e transformar comunidades. E o tempo corre contra nós: a cada hectare desmatado, perdemos não só árvores, mas também códigos genéticos únicos.
Hoje, empresas farmacêuticas, além de biotechs como a Nintx, já aportam recursos para investigar o potencial terapêutico dessas moléculas, em parceria com o CNPEM/Centroflora e apoio da Embrapii e do BNDES. A Nintx, em especial, investe em terapias baseadas em produtos naturais que atuam tanto diretamente em alvos biológicos quanto na modulação do microbioma intestinal – uma abordagem promissora para doenças multifatoriais como Alzheimer, diabetes e câncer.
O potencial de impacto é imenso. Um novo fármaco descoberto no Brasil, licenciado globalmente, pode render milhões de dólares – e, por lei, 1% da receita anual deve ser repartida com as comunidades que contribuíram com o conhecimento tradicional ou o acesso ao patrimônio genético. Sem contar o impacto direto gerado pelas parcerias com universidades, instituições locais e programas de capacitação em campo. Se esse ecossistema de bioinovação for devidamente ativado e ampliado, pesquisadores, técnicos e jovens de comunidades tradicionais e rurais poderão ser inseridos em cadeias produtivas de alto valor agregado, transformando biodiversidade em inclusão produtiva com base científica e ambiental.
Mas, para que esse futuro seja possível, precisamos fortalecer também a infraestrutura de dados que sustenta a ciência da biodiversidade. Um exemplo inspirador é o CRIA – o Centro de Referência em Informação Ambiental –, uma comunidade que trabalha em rede para tornar acessíveis informações sobre a biodiversidade brasileira. Essa base de conhecimento aberta e colaborativa é essencial para conectar pesquisadores e formuladores de políticas e, assim, transformar informação em impacto.
Aqui entra o que me parece ser um fio condutor potente nessa história: a construção do orgulho nacional a partir do reconhecimento do valor do que é nosso, por meio de políticas públicas que reforcem uma ambição de país. Na Coreia do Sul, por exemplo, símbolo de transformação econômica e social veloz e direcionada por investimentos em educação, pesquisa e tecnologia, a Samsung domina cerca de 70% do mercado local de smartphones – não apenas por sua qualidade, mas por representar uma conquista coletiva. Muitos sul-coreanos escolhem a marca por identificação e confiança naquilo que é produzido por seu próprio país. Globalmente, sua participação é de cerca de 20%, o que mostra o quanto o sentimento nacional impulsiona escolhas. É a cultura que se reconhece naquilo que construiu. E nós? Quando vamos nos enxergar – como povo e como país – como a potência científica e natural que somos?
Aliar grandes infraestruturas de pesquisa, como o CNPEM, com sistemas abertos de informação, como o CRIA, assegura que a biodiversidade brasileira seja simultaneamente fonte de descobertas e um bem comum informado, a ser protegido e usado de forma sustentável.
É hora de ver a biodiversidade brasileira como um ativo estratégico, e a ciência como caminho para soberania, inovação e prosperidade. O Brasil pode liderar a próxima revolução industrial, com raízes na floresta e olhos no futuro. Mas, para isso, precisamos cultivar, como país, o mesmo orgulho que senti ao sair do CNPEM.