Renatta Piazzon e Maria Netto*
Não haverá transição climática justa e positiva para a natureza sem uma transformação profunda na forma como o capital é mobilizado e alocado no mundo. A urgência está expressa nos números: no Brasil, a lacuna de financiamento climático pode alcançar US$ 200 bilhões por ano até 2030. No plano internacional, à luz do que foi pactuado na COP-29, em Baku, o objetivo é mobilizar US$ 1,3 trilhão por ano até 2035. Para que esses recursos alcancem os territórios e populações mais estratégicos para o combate ao aquecimento global e uma transição justa, será preciso redesenhar instrumentos financeiros, remover barreiras regulatórias e fortalecer a cooperação entre países em desenvolvimento.
A seis meses da COP-30 (que acontece em novembro, em Belém do Pará) e em meio a crescentes pressões por uma reforma da arquitetura financeira global, conectar clima, biodiversidade, desenvolvimento e finanças – agendas que historicamente caminharam em paralelo – é estratégico para o Brasil. É com esse entendimento e com o objetivo de impulsionar avanços nessa área que lideranças do governo, do setor privado, da sociedade civil e da filantropia vão se reunir na próxima semana no Rio de Janeiro, na segunda edição do Fórum de Finanças Climáticas e de Natureza.
A ambição é posicionar o Brasil como protagonista na agenda climática global e catalisador de soluções que promovam desenvolvimento com inclusão, geração de renda e conservação ambiental. Para isso, é preciso alinhar os fluxos financeiros globais às prioridades de desenvolvimento do país.
O Brasil, com sua biodiversidade, matriz energética limpa, boas práticas em sistemas alimentares regenerativos e capacidade de inovação, reúne as condições para liderar esse novo paradigma — o de uma economia regenerativa, de baixo carbono, inclusiva e orientada para o futuro.
Mais do que carências, o Brasil tem respostas concretas. Entre elas, destacam-se as soluções baseadas na natureza, com potencial transformador. O País assumiu a meta de restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030, uma das maiores do mundo. Essa meta pode capturar até 16 Gt de CO₂ e impulsionar um modelo de prosperidade territorial baseado na regeneração. Segundo o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), as florestas podem responder por até 30% da mitigação necessária até 2030. Além disso, o mercado de carbono relacionado à restauração pode gerar entre US$ 50 bilhões e US$ 320 bilhões nas próximas três décadas.
O País também é referência em inovação agroambiental. Desenvolvemos um modelo de agricultura tropical regenerativa, utilizando técnicas como o plantio direto, os sistemas integrados lavoura-pecuária-floresta (ILPF), a fixação biológica de nitrogênio e o uso de bioinsumos, área em que o Brasil lidera globalmente. Produzimos alimentos enquanto regeneramos solo e sequestramos carbono. Isso já acontece e precisa ser reconhecido como parte da solução climática global.
O País assumiu ainda a meta de recuperar 40 milhões de hectares de pastagens degradadas com práticas de agricultura regenerativa, plano que será financiado por meio de políticas públicas consolidadas, como o Plano Safra, e inovadoras, como as iniciativas federais Caminho Verde e o Eco Invest. Possuímos uma condição única de ampliar nossa produção agropecuária sem desmatamento, por meio da recuperação, restauração e conversão de áreas degradadas em sistemas regenerativos.
Na energia, o protagonismo também é inegável. Com 88% da matriz elétrica renovável, o Brasil tem a produção elétrica mais verde de todo o G-20 e segue avançando rapidamente em energia solar e eólica, além de manter liderança global em biocombustíveis. O setor de bioenergia, incluindo etanol, biodiesel e SAF (combustível sustentável de aviação), já emprega mais de 2 milhões de pessoas. E, com investimentos em hidrogênio verde e biorrefinarias inclusive para exportação, o País se posiciona para liderar a transição energética do Sul Global.
Filantropia em ação
Todo esse potencial, no entanto, somente será destravado com investimentos estratégicos. E a filantropia pode cumprir um papel muito importante nesse jogo. Em 2023, a filantropia global destinou US$ 9,3 bilhões à mitigação climática. Desse total, menos de US$ 100 milhões chegaram ao Brasil, apesar de o País abrigar a maior floresta tropical do mundo e ser decisivo para o combate às mudanças climáticas. Se não há clima estável sem o Sul Global, por que os recursos ainda não chegam com força a países como o Brasil?
Parte da resposta passa por algumas mudanças para as quais a filantropia pode e deve contribuir: (I) mudança de narrativa: a comunicação dominante ainda é baseada em medo, escassez e sacrifício. Precisamos de uma nova linguagem, que inspire ação e conecte a transição ecológica à prosperidade, à dignidade e às aspirações de quem vive nos territórios. Clima também é sobre oportunidades, empregos, inovação e qualidade de vida; (II) mudança de olhar: o Brasil não é apenas um país com “potencial”. Já entregamos soluções concretas, escaláveis e replicáveis. A valorização dessas soluções exige outro tipo de lente, uma que reconheça e amplifique o que já está dando certo; e (III) mudança do papel da filantropia: que não pode se limitar ao financiamento de projetos, mas precisa também atuar como catalisadora de sistemas, assumindo riscos, incubando soluções, articulando coalizões e destravando políticas públicas e fluxos maiores de capital.
No Brasil, isso já vem acontecendo. A ousadia da filantropia está justamente em entrar onde outros não entram, antecipando tendências e ativando inovações e iniciativas como a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, a Concertação pela Amazônia, o Nature Investment Lab ou a Coalizão Financeira para Restauração e Bioeconomia do Brasil, que mostram a capacidade de moldar o ecossistema de soluções. São sementes de uma transformação sistêmica em curso.
Por fim, debater finanças, natureza e meio ambiente não é mais uma escolha. A crise climática e a perda de biodiversidade impõem uma reorganização profunda da forma como alocamos recursos, concebemos políticas públicas e projetamos nosso desenvolvimento. Integrar essas agendas é essencial para que o Brasil ocupe o lugar de líder global de uma transição verde, justa e inclusiva. Sem isso, qualquer transição será incompleta.
*Maria Netto é diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade