Mulheres pelo clima: quem é Renata Piazzon, uma das principais vozes pelo desenvolvimento sustentável no Brasil
Numa atividade da pré-escola de seu filho, a advogada Renata Piazzon precisava explicar às crianças, ainda não alfabetizadas, o que fazia no trabalho. Hoje ela comanda o Instituto Arapyaú, fundado pelo empresário Guilherme Leal. No comando da instituição, ela articula projetos que visam promover o desenvolvimento sustentável no Brasil. Diante do desafio, conversou com mães e amigas e fez uma pesquisa do que poderia sensibilizá-los ao tema. Decidiu ler para os pequenos o livro Será que a terra sente?, de Marc Majewski, que aborda o clima por meio de desenhos bonitos e poéticos. Era também uma maneira de chamar atenção deles para a maneira como cuidamos da Terra, da nossa casa. Depois da leitura, cada criança desenhou o que estava sentindo. O resultado surpreendeu professores, alunos e a própria Renata, que saiu da escola emocionada e com um convite para repetir a experiência no ano seguinte.
É com essa mesma dedicação e paixão que, no comando do Arapyaú, Renata ajudou a fundar a Concertação pela Amazônia, uma rede com mais de 800 lideranças que gera conhecimento sobre a região para orientar debates nacionais e internacionais. Estruturou um projeto de melhoria de renda para pequenos produtores de cacau sustentável no sul da Bahia. Também ajuda a promover a conexão e o letramento digital para povos amazônicos entre outras frentes de trabalho. Renata faz, ainda, parte do Conselhão da presidência da República. À Vogue, ela fala sobre seu trabalho e seu chamado, além de dar dicas de como todos podemos fazer um pouco mais pelo ambiente.
VOGUE Você é uma mulher, líder, que atua pelo clima. Quais são as suas fontes de inspiração nesse trabalho?
Como mulher, venho me inspirando em outras mulheres que têm se destacado como vozes poderosas na defesa de ações climáticas mais ambiciosas, ocupando posições de liderança e influenciando a criação de políticas climáticas globais mais inclusivas e equitativas. Nas negociações multilaterais, foram duas mulheres – Laurence Tubiana, enviada climática da França, e Christiana Figueres, que comandou o órgão climático das Nações Unidas – que ajudaram a intermediar o histórico Acordo de Paris em 2015, um marco crucial para frear o aquecimento global. Há ainda trajetórias como a da ex-presidente da Irlanda, Mary Robinson, que uniu nos fóruns internacionais a luta contra a emergência climática com a defesa dos direitos humanos, e Halla Tómasdóttir, referência na conexão da agenda climática com o setor privado e atual presidente da Islândia. No Brasil, as lideranças femininas são também protagonistas dessa força transformadora, especialmente nas comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, como Samela Sateré Mawé e Valcléia Solidade. Na geopolítica climática, uma grande inspiração tem sido a ex-ministra do meio ambiente Izabella Teixeira. São essas e tantas outras mulheres que me inspiram nesse caminho.
VOGUE Que dicas você daria para quem quer trabalhar com esse tema?
É preciso muita energia, capacidade de articulação e resiliência. Diante da urgência, essa agenda demanda colaboração – a transformação só ocorrerá se unirmos e mobilizarmos diferentes partes interessadas, os governos, setor privado, filantropia, sociedade civil, academia. É preciso também saber sair de um cenário catastrófico que pode ser paralisante – secas, inundações, ondas de calor, perdas massivas de biodiversidade – para o campo das soluções. É preciso imaginar e contar novas histórias sobre como o Brasil – e o mundo – podem ser novos protagonistas de um novo futuro. É preciso, como país, construirmos e darmos visibilidade às agendas que nos unem – combate ao desmatamento ilegal, restauração florestal, mercado de carbono, agricultura regenerativa, economia circular – mais do que o que nos divide.
VOGUE Quais são os maiores desafios que encontramos hoje para fazer essa agenda avançar no Brasil?
Precisamos ser capazes de traduzir a agenda climática em uma agenda de prosperidade e desenvolvimento de país. O brasileiro tem a sua bossa, a sua brasilidade, e pode ainda ser a maior potência verde do mundo. Temos a maior floresta tropical do mundo, a maior biodiversidade do planeta, a maior reserva de água doce, um potencial gigantesco em energia renovável. É disso que devemos nos orgulhar. Para sermos exemplos na rota da descarbonização, precisamos abraçar a revolução tecnológica em setores como o de transporte, construção, produção industrial, substituindo tecnologias baseadas em fósseis por alternativas de baixo carbono, como eletrificação e hidrogênio verde. Precisamos também investir na natureza, na preservação das florestas, mas também na restauração de ecossistemas degradados. Precisamos criar modelos de negócios economicamente viáveis que mantenham a floresta em pé e gerem renda para quem nela vive. Não há uma única solução diante de um cenário de muitos Brasis, muitas Amazônias, mas é preciso abraçar essa agenda como uma agenda de desenvolvimento econômico do país e provedora de soluções para o mundo.
VOGUE Qual é o seu maior orgulho nesta trajetória pelo ambiente?
Tenho contribuído para colocar alguns projetos estruturantes de pé e isso me dá um imenso orgulho, como o MapBiomas, que hoje é referência em monitoramento do desmatamento no país, ou a Concertação pela Amazônia, uma das principais redes que debate o desenvolvimento socioeconômico da região. Essa capacidade de articulação, de abertura ao diálogo e da busca por convergência entre diferentes atores, com diferentes visões, não é nada trivial e tenho orgulho de seguir esse caminho. Me orgulho também em ter me tornado uma das referências para a filantropia climática internacional, que tem buscado direcionar recursos de forma estratégica ao Brasil.
VOGUE Tem alguma dica para engajar pessoas e instituições nessa luta?
O que venho pensando cada vez mais é como pautamos essa agenda trazendo de forma simples ao nosso dia a dia, sem que seja mais um peso em um mundo em que já estamos todos cansados. Tenho refletido muito sobre o papel da gastronomia na interseção com a agenda climática, por exemplo, por ser uma das poucas pautas ainda não polarizadas no Brasil. Todo mundo gosta de comer uma boa comida. Dentro dessa perspectiva, penso no surgimento, cada vez mais forte, de iniciativas que tratam a gastronomia como elemento de conservação da biodiversidade e valorização da cultura alimentar brasileira. Por meio da gastronomia, é possível inserir a agenda climática sem que as pessoas necessariamente percebam, sem virarmos os “ecochatos”. A gastronomia é uma das ferramentas, pois permite falar de clima sem falar de clima, mas de prazer e sabor. Acho que a saúde é outra intersecção importante, assim como a água, recurso natural fundamental para a vida na Terra e cuja escassez crescente sentimos de forma alarmante. A minha aposta é partirmos do que fazemos todos os dias – comemos, bebemos, nos vestimos. A moda cai como uma luva nisso, ao sermos capazes de unir a simplicidade elegante à sustentabilidade. Não é preciso abrir mão do belo para ser sustentável e algumas lideranças nessa agenda, como a Flávia Aranha, tem conseguido mostrar isso muito bem.
VOGUE Você acredita que mudanças individuais e no padrão de consumo podem nos ajudar a diminuir o impacto no ambiente?
Sem dúvidas. Fui por alguns anos conselheira do Akatu, que inaugurou o conceito de consumo consciente e criou uma ferramenta que avalia a nossa pegada individual e oferece caminhos para uma jornada que concilie bem-estar individual, para a sociedade e para o meio ambiente. Acho que falhamos na comunicação da agenda climática quando tornamos a agenda abstrata, distante e inalcançável e ferramentas como essa nos ajudam a entender que o nosso papel como consumidor pode influenciar a nossa vida e a de todo o planeta.
VOGUE Se sim, o que você aplica na sua própria vida?
Tenho comprado cada vez mais em bons brechós – o meu favorito do momento é o Las Hermanas. Também encontrei uma marca de maquiagem que amo e tem um compromisso sólido com a sustentabilidade: a Rose Inc. Tenho também uma composteira em casa, o que me permite ensinar o meu filho a separar o lixo que pode ser compostado do que deve ser reciclado. Tem também uma sigla que aprendi na Schumacher College e que levo para a vida: “BUD – beautiful, useful and durable” ou bonito, útil e durável. Quando vejo algo, sempre penso: é belo, é útil, é durável? É uma premissa simples para usarmos antes do consumo. Outra coisa que não abro mão é de estar na natureza. Sempre que posso, fujo para algum canto com mato, cachoeira, trilha. Tive essa referência muito cedo e é essa que também quero passar ao meu filho.
VOGUE Tem dicas de marcas de moda, beleza e lifestyle que estejam reduzindo seus impactos ou trabalhando de forma mais sustentável?
No começo da minha carreira em sustentabilidade, há quase 20 anos, criei uma plataforma com uma amiga para mapear e avaliar marcas mais sustentáveis e facilitar as nossas escolhas – chamava Atitude Consciente. Acabamos não conseguindo priorizar isso, mas mostra há quanto tempo tenho buscado me aperfeiçoar nas minhas escolhas e em como o caminho é longo. Com o passar do tempo, passei a aceitar também as minhas incoerências, sem trazer mais um elemento de culpa para uma vida de mulher, mãe e profissional que já é tomada por ela. Entender que a sustentabilidade deve entrar com naturalidade no nosso dia a dia é libertador. Um dos exemplos que cito é a Roupateca, o primeiro guarda-roupa compartilhado do Brasil. Fui assinante quando compartilhamento na moda era quase um delírio e que trouxe a solução de circularidade com muita força. Por estar à frente do seu tempo, sentiu o peso de remar sozinha e encerrou o seu ciclo, mas deixou uma semente para uma vida inteira. As marcas que já citei – Las Hermanas, Flávia Aranha, Rose Inc – mostram que não é preciso abrir mão do belo e do prático para ser sustentável e é isso que mais gosto nelas.
VOGUE Como você trata desse assunto com seu filho?
Esses dias a escola do meu filho me convidou para uma atividade de sustentabilidade com as crianças e eu logo corri para um grupo de amigas mães para pedir dicas. Dentre as muitas que vieram, uma me chamou a atenção: a leitura do livro “Será que a Terra sente”? seguida de uma atividade de desenho com as crianças com a pergunta “Como você quer que a Terra se sinta?”. O resultado foi muito mais especial do que eu poderia imaginar. Ver o meu filho escolher o lugar da leitura (“nas bananeiras, mamãe”), pegando um banquinho para sentar ao meu lado. E ver o resultado dos desenhos das crianças com as mais variadas frases – “A Terra está feliz porque a minha família está unida”, “A Terra está feliz porque alguém não jogou lixo na rua”, “A minha Terra se sente colorida e amorosa”, “Eu quero que ela se sinta decorada”, “A Terra está feliz porque está chovendo” – me encheu de esperança. Eu venho tentando trazer esse assunto ao meu filho por meio dessa lente, a da esperança. Todos os anos, por exemplo, no seu aniversário, nós plantamos juntos uma árvore. Já plantamos pé de pitanga, acerola, mamão. E tem sido um processo bonito acompanhar o crescimento das árvores enquanto ele cresce.
VOGUE Que mundo você espera deixar para ele?
Confesso que tenho uma ansiedade climática quando vejo os dados da ciência de que muito provavelmente teremos um mundo mais difícil nos próximos 30, 40 anos, até neutralizarmos as emissões e termos um futuro habitável e próspero, porque é esse mundo que ele vai viver até a sua fase adulta. Mas tem uma frase famosa do Fábio Barbosa (CEO da Natura &Co) que eu gosto muito que é: “Se não conseguirmos deixar um mundo melhor para os nossos filhos, deixemos filhos melhores para o nosso mundo”. É isso que tenho buscado, com todos os erros e acertos da maternidade: deixar filhos melhores para que o nosso mundo também possa ser melhor.