Amazônia: a urgência de um olhar transversal para a região.
O novo governo dispôs a agenda socioambiental e climática de forma horizontal por toda a sua estrutura. Nestes 100 primeiros dias de gestão, não restam dúvidas de que a temática está no rol de prioridades do país.
Entre os principais exemplos estão a reestruturação do Ministério do Meio Ambiente, que incorporou em sua sigla o termo Mudança do Clima, e a transversalidade da agenda nas estruturas da administração federal: 16 pastas, além do BNDES, têm pelo menos uma secretaria ou departamento para tratar dessa pauta.
Essa sinalização está presente também na representatividade na condução de postos estratégicos, como Sonia Guajajara na liderança do Ministério dos Povos Indígenas e Joenia Wapichana na presidência da Funai, na recomposição de espaços de participação social e na perspectiva de criação de uma Autoridade Nacional de Segurança Climática, responsável pelo monitoramento das políticas de enfrentamento à mudança do clima em todas as pastas do governo.
A Amazônia é determinante no enfrentamento da emergência climática e no futuro do planeta e deve ter um lugar de destaque nesta agenda. Presente em 9 Estados e cobrindo mais da metade do território brasileiro, é o bioma em que se encontram os maiores estoques globais de biodiversidade e serviços ecossistêmicos vitais para a regulação do clima. Por isso, não há como se pensar em um novo paradigma de desenvolvimento para o país sem reconhecer a centralidade da região.
O debate sobre a Amazônia foi determinante já durante as eleições, com forte influência da opinião pública, sobretudo internacional. No atual governo, se expressa diretamente na estrutura de 2 órgãos –o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com a Subsecretaria de Ciência e Tecnologia para a Amazônia, e o Ministério da Justiça, com a Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente–, e na retomada de políticas importantes para a região, como o PPCDAm e o Fundo Amazônia. Além disso, a criação de uma Secretaria Extraordinária para o Combate do Desmatamento, dentro do Ministério do Meio Ambiente, preencheu um vácuo sobre o tema no governo federal, assim como a ação motivada pela crise humanitária yanomami sinalizou disposição de reforço nas ações de comando e controle contra delitos ambientais na região.
O olhar transversal para a região, contudo, se dará de forma mais efetiva com a evolução do debate sobre a maior floresta tropical do planeta para além do desmatamento. A Amazônia requer uma abordagem integrada e os caminhos para incorporar a região e o seu potencial econômico a partir de novos modelos de desenvolvimento, que conciliam conservação ambiental e melhoria na qualidade de vida das pessoas, é multissetorial.
O Brasil enfrenta muitos problemas, mas alguns deles se sobressaem. Os números da fome não deixam dúvidas de que seu combate é uma prioridade. Entretanto, é preciso reconhecer a intrínseca relação deste tema com o emprego e a geração de renda, que corroboram expressivamente para o aumento da insegurança alimentar. Em outras palavras, para combater o desmatamento é preciso criar um círculo virtuoso de redução da fome e geração de emprego e renda.
Não dá para falar de desmatamento sem falar de desenvolvimento
E isso significa ter um olhar sistêmico para o território, capaz de conectar as diferentes agendas sociais e ambientais relevantes para a população local. Para combater o desmatamento é preciso pensar em ações estruturantes e transversais nos campos da educação, saúde, economia, cultura, segurança pública, infraestrutura, ciência e tecnologia, cidades.
A questão da conectividade na região é um exemplo. Somente 56% dos domicílios possuem banda larga fixa -ante 80% no restante do Brasil. Esses dados preocupam, mas podem esconder uma realidade ainda pior, pois são escassas as informações sobre acesso à internet de populações isoladas, aldeadas, quilombolas, ribeirinhas e tradicionais. Ainda assim, programas de financiamento da expansão da conectividade no país, como o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), não possuem um recorte específico e prioritário para essas populações.
Alguns desses indicadores alarmantes e a facilidade com que a região é capturada pelo debate público nem sempre são refletidos em termos de prioridade nas políticas públicas quando a temática foge ao tema estritamente ambiental.
É hora de executar a transversalidade estruturada nos 100 primeiros dias de governo. Esta é uma pauta apartidária e que precisa gerar políticas de Estado, que transcendam a duração de mandatos e sobrevivam à mudança de governantes. Esta é a única chance que temos de nos tornarmos uma potência tropical.