Por uma COP com as pessoas no centro das discussões
O ano de 2024 deve entrar para a história como o mais quente dos últimos 125 mil anos, segundo o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (órgão da União Europeia), Dubai vai sediar a mais importante reunião desde a COP21, que deu origem ao Acordo de Paris.
A urgência está dada. Não precisamos de mais sinais para concluir o óbvio: os desafios são complexos, demandam alta mobilização de recursos, colaboração (não só financeira) radical entre governos, empresas, sociedade civil e filantropias e esforços sem precedentes desses atores na descarbonização do planeta.
Mesmo sediada em um grande produtor de petróleo, a 28ª COP (Conferência das Nações Unidas para as Mudanças do Clima) é considerada emblemática porque deve entregar o 1º balanço global de ações feitas pelos países nos últimos 8 anos para combater o aquecimento do planeta, e definir o que será feito daqui em diante.
Será uma oportunidade para que a comunidade internacional avalie o estado geral das coisas, conheça as experiências bem-sucedidas –e as negativas que devem ser evitadas.
A transição para uma economia de baixo carbono, no entanto, só vai ser bem-sucedida se não deixar ninguém para trás. Ou seja, conter o limite do aquecimento em 1,5 ºC não vai bastar, será preciso tratar a redução das desigualdades –entre os países e dentro dos países– como uma questão central das discussões da cúpula em Dubai.
O Brasil pode assumir protagonismo na retomada dessa agenda que coloca as pessoas no centro das ações de enfrentamento às mudanças climáticas.
Neste ano, além de apresentar o Plano de Transformação Ecológica e os avanços no combate ao desmatamento, nossa maior fonte de emissões de gases de efeito estufa, o governo brasileiro pretende usar a conferência para levantar mais recursos para financiamento e colocar na mesa das negociações o tema da transição justa, em uma tentativa de reduzir o abismo entre ricos e pobres.
A redução da desigualdade até 2030 foi um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU acordados pela comunidade internacional em 2015. De lá pra cá, estamos falhando nessa missão: a desigualdade só aumenta no mundo, sobretudo depois da pandemia de covid-19.
Em uma carta publicada em meados deste ano, economistas como Joseph Stiglitz e Thomas Piketty e o ex-secretário geral da ONU Ban Ki-moon convocaram a sociedade para a ação a partir de um diagnóstico preocupante.
A pobreza extrema e a riqueza extrema aumentaram acentuada e simultaneamente pela 1ª vez em 25 anos. De 2019 a 2020, a desigualdade global cresceu mais rapidamente do que em qualquer momento desde a 2ª Guerra Mundial.
Ao expulsar pessoas de suas terras por causa de secas, incêndios, colheitas fracas, ciclones ou inundações, as mudanças climáticas só intensificam esse processo de concentração de renda.
No Brasil, estamos vendo essa piora ocorrer no Amazonas, que enfrenta a pior seca em mais de 100 anos. Ela prejudica a vida das populações urbanas, mas tem um impacto muito mais extremo para populações ribeirinhas e indígenas, que estão isoladas, com dificuldade de acesso a remédios, alimentos e água potável.
Na última COP, que foi realizada no Egito, ficou decidido que seria criado um grupo de trabalho sobre a transição justa para uma economia de baixo carbono. Em reunião recente do Itamaraty com a sociedade civil, o líder da delegação brasileira nesse assunto, Daniel Machado da Fonseca, disse que a transição justa não está garantida.
Na sua visão, à medida que as mudanças do clima passarem a ser reconhecidas pela sociedade, a transição vai ocorrer de uma forma ou de outra, seja porque os sistemas vão colapsar ou porque seremos encurralados. Mas, se daqui a 25 anos o mundo estiver mais desigual do que hoje, a transição não terá sido justa.
Por isso, para os negociadores brasileiros, combater a desigualdade é assegurar o sucesso da transição. Em setembro, durante a 78ª Assembleia Geral da ONU, o presidente Lula jogou luz na crise climática em seu discurso de abertura, enfatizando a importância de se enfrentar as desigualdades históricas:
“A emergência climática torna urgente uma correção de rumos e a implementação do que já foi acordado. Não é por outra razão que falamos em responsabilidades comuns, mas diferenciadas. São as populações vulneráveis do Sul Global as mais afetadas pelas perdas e danos causados pela mudança do clima”, disse.
Na reunião com a sociedade civil, o recado dos negociadores foi claro: as conclusões do último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) indicam que qualquer nível de limitação para além de 1,5 ºC implica riscos intoleráveis para a humanidade e o Brasil.
Se a comunidade internacional não se unir em torno dessa meta, não será possível cumpri-la. E essa união demandará uma mobilização sem precedentes de recursos e esforços para assumir os compromissos acordados. Com as pessoas no centro dos debates sempre.